top of page

Um Filho A Cada Oito Anos ou Sobre a China no séc. XX na Voz de um Chinês de 61 anos

  • Foto do escritor: Júlia Mayumi
    Júlia Mayumi
  • 18 de fev. de 2016
  • 3 min de leitura

Você com certeza já ouviu falar de Mao Tsé-Tung, da Revolução Cultural e da Política do Filho Único. Mas já parou para pensar sobre como tudo isso, em especial o último fator, afetou as vidas das pessoas comuns, durante mais de trinta anos (1979-2015)? Esse é o tema central da obra "As Rãs", do vencedor do Nobel de Literatura de 2012, Mo Yan (pseudônimo de Guan Moye). No romance publicado no Brasil pela Companhia das Letras, Girino é um senhor de idade que decide escrever uma peça sobre a vida de sua tia, Wan Coração - "uma mulher de fato extraordinária", segundo a orelha do livro.


A tia, cujo nome na verdade é raramente mencionado ao longo do livro, foi criada na região rural do Nordeste de Gaomi, e tornou-se a primeira parteira dessa parte da China a estudar obstetrícia e ginecologia, substituindo os partos arcaicos e precários realizados pelas parteiras locais por técnicas científicas e mais eficientes. Com a implantação do regime comunista, ela se torna a responsável, de sua aldeia e das próximas, pelo controle de natalidade, divulgando o planejamento familiar imposto pelo governo e as regras para novos nascimentos - no caso de civis, um a cada oito anos. Ferrenha defensora do Partido, realiza sua função com objetividade e afinco, realizando abortos e colocando dispositivos intrauterinos nas mulheres, mesmo que contra a vontade das mesmas.

Os personagens secundários são usados para mostrar as diferentes formas com que essa política era vista - de maneira geral, com bastante desagrado. Sem nenhum tipo de maniqueísmo, o próprio protagonista toma decisões certas e erradas ao longo de sua vida - e poucas vezes demonstra arrependimento por atitudes que, do ponto de vista do leitor ocidental, seriam consideradas equivocadas e até mesmo crueis.

O livro apresenta uma realidade pouco discutida nas sociedades ocidentais, mas que ganhou força com o fim da Política do Filho Único no ano passado (ter sido publicado justamente em 2015 provavelmente não foi uma coincidência...), e apresenta duras críticas a esse sistema, através de histórias trágicas de pessoas que sofreram com as medidas tomadas pela Tia em defesa do planejamento familiar do governo - os detalhes do enredo se restrigem à região onde cresceu o protagonista, mas podem ser projetadas para toda a sociedade chinesa da época.



Embora não acreditasse que o texto fosse 100% ficcional, não imaginei que se aproximasse necessariamente da vida do próprio autor. No entanto, em entrevista cedida a um veículo alemão chamado "Der Spiegel", Mo Yan afirma que "no tempo da Revolução Cultural eu era soldado do Exército Vermelho e participei da crítica pública de meus professores. Eu sentia inveja da eficiência dos outros, de seus talentos e da sorte que tinham. E em consideração ao meu futuro eu coagi a minha mulher a um aborto. Eu sou culpado.". Há uma passagem em "As Rãs" em que o narrador, que se torna militar, convence a esposa, Wang Renmei (eu achei esse nome lindo *---*) a fazer um aborto contra a vontade dela, o que leva a relação dos dois a um desfecho triste. Além disso, na mesma entrevista, o autor afirma que "a biografia épica de uma de minhas tias com uma vida mais do que realizada, que por algumas décadas trabalhou como médica para senhoras e presenciou coisas incríveis". OU SEJA, fica evidente que toda a obra é, na verdade, uma espécie de biografia da tia de Mo Yan, misturada à dele próprio - suponho eu que com algumas mudanças para fins literários.


Um romance de técnica impecável, tocante, com passagens poéticas e algumas falas cômicas, que nos tira de nossas zonas de conforto e nos convida a estar na pele de uma das mães que perderam seus filhos, de um dos pais que abandonaram filhas por preferirem homens e até mesmo dos bebês, que, por terem nascido fora da data estipulada pelo Partido, perderam suas vidas.

Recomendado:

- Entrevista com Mo Yan: Eu falo quando quero

http://www.revistabula.com/256-entrevista-com-mo-yan-eu-falo-quando-quero/

- BBC Brasil explica a política do filho único

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151029_china_bomba_demografica_cc

Comments


Obrigada por ter lido! Deixe seu comentário aqui embaixo e compartilhe se gostou!

Posts Recentes!
Temas!

© 2016 por Júlia Mayumi. "Me liga quando voltar, adoro suas visitas" (Edna Mode) 

MUITO obrigada por ter visitado! Deixa um recadinho no mural ou um comentário em algum post!

bottom of page