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Um Filho A Cada Oito Anos ou Sobre a China no séc. XX na Voz de um Chinês de 61 anos

Você com certeza já ouviu falar de Mao Tsé-Tung, da Revolução Cultural e da Política do Filho Único. Mas já parou para pensar sobre como tudo isso, em especial o último fator, afetou as vidas das pessoas comuns, durante mais de trinta anos (1979-2015)? Esse é o tema central da obra "As Rãs", do vencedor do Nobel de Literatura de 2012, Mo Yan (pseudônimo de Guan Moye). No romance publicado no Brasil pela Companhia das Letras, Girino é um senhor de idade que decide escrever uma peça sobre a vida de sua tia, Wan Coração - "uma mulher de fato extraordinária", segundo a orelha do livro.


A tia, cujo nome na verdade é raramente mencionado ao longo do livro, foi criada na região rural do Nordeste de Gaomi, e tornou-se a primeira parteira dessa parte da China a estudar obstetrícia e ginecologia, substituindo os partos arcaicos e precários realizados pelas parteiras locais por técnicas científicas e mais eficientes. Com a implantação do regime comunista, ela se torna a responsável, de sua aldeia e das próximas, pelo controle de natalidade, divulgando o planejamento familiar imposto pelo governo e as regras para novos nascimentos - no caso de civis, um a cada oito anos. Ferrenha defensora do Partido, realiza sua função com objetividade e afinco, realizando abortos e colocando dispositivos intrauterinos nas mulheres, mesmo que contra a vontade das mesmas.

Os personagens secundários são usados para mostrar as diferentes formas com que essa política era vista - de maneira geral, com bastante desagrado. Sem nenhum tipo de maniqueísmo, o próprio protagonista toma decisões certas e erradas ao longo de sua vida - e poucas vezes demonstra arrependimento por atitudes que, do ponto de vista do leitor ocidental, seriam consideradas equivocadas e até mesmo crueis.

O livro apresenta uma realidade pouco discutida nas sociedades ocidentais, mas que ganhou força com o fim da Política do Filho Único no ano passado (ter sido publicado justamente em 2015 provavelmente não foi uma coincidência...), e apresenta duras críticas a esse sistema, através de histórias trágicas de pessoas que sofreram com as medidas tomadas pela Tia em defesa do planejamento familiar do governo - os detalhes do enredo se restrigem à região onde cresceu o protagonista, mas podem ser projetadas para toda a sociedade chinesa da época.


 

Embora não acreditasse que o texto fosse 100% ficcional, não imaginei que se aproximasse necessariamente da vida do próprio autor. No entanto, em entrevista cedida a um veículo alemão chamado "Der Spiegel", Mo Yan afirma que "no tempo da Revolução Cultural eu era soldado do Exército Vermelho e participei da crítica pública de meus professores. Eu sentia inveja da eficiência dos outros, de seus talentos e da sorte que tinham. E em consideração ao meu futuro eu coagi a minha mulher a um aborto. Eu sou culpado.". Há uma passagem em "As Rãs" em que o narrador, que se torna militar, convence a esposa, Wang Renmei (eu achei esse nome lindo *---*) a fazer um aborto contra a vontade dela, o que leva a relação dos dois a um desfecho triste. Além disso, na mesma entrevista, o autor afirma que "a biografia épica de uma de minhas tias com uma vida mais do que realizada, que por algumas décadas trabalhou como médica para senhoras e presenciou coisas incríveis". OU SEJA, fica evidente que toda a obra é, na verdade, uma espécie de biografia da tia de Mo Yan, misturada à dele próprio - suponho eu que com algumas mudanças para fins literários.


Um romance de técnica impecável, tocante, com passagens poéticas e algumas falas cômicas, que nos tira de nossas zonas de conforto e nos convida a estar na pele de uma das mães que perderam seus filhos, de um dos pais que abandonaram filhas por preferirem homens e até mesmo dos bebês, que, por terem nascido fora da data estipulada pelo Partido, perderam suas vidas.

 

Recomendado:

- Entrevista com Mo Yan: Eu falo quando quero

http://www.revistabula.com/256-entrevista-com-mo-yan-eu-falo-quando-quero/

- BBC Brasil explica a política do filho único

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151029_china_bomba_demografica_cc

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