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O universo japonês em Legado Ranger, de Raphael Draccon

Amante declarado de tokusatsus (os antigos seriados japoneses que envolviam monstros gigantes destruindo a baía de Tokyo, que era salva por pessoas usando armaduras), Raphael Draccon dedicou-se a homenageá-los em sua nova trilogia, Legado Ranger, cujo último volume foi lançado este semestre pela Fantástica, selo de literatura jovem da Rocco [cuja resenha você poderá ler em breve aqui no blog]. Embora a intenção seja boa e o autor tenha boas referências - ele chegou a visitar o Japão há alguns anos -, o resultado é uma chuva de estereótipos que recaem principalmente na figura de Daniel Nakamura, um dos protagonistas da série.


Daniel é um jovem hacker filho de imigrantes japoneses que vive no bairro da Liberdade, em São Paulo, e não tem muitas habilidades sociais. Após sobreviver a uma dimensão povoada por criaturas demoníacas e conhecer quatro pessoas que nada têm em comum com ele, acaba integrando um super sentai que usa armaduras coloridas e tem como líder um ranger do exército estadunidense. Quando retornam à Terra, Daniel passa a trabalhar para o governo japonês e constrói um robô gigante usando suas habilidades com tecnologia e engenharia. Ah, esqueci de mencionar que seu irmão mais velho é membro da Yakuza e dono de um bordel na zona obscura de Tokyo. QUEM não conhece um japonês assim, não é mesmo?

Como se a construção do personagem já não fosse problemática, em Mundos de Dragões, o último volume, temos duas passagens que merecem destaque.


(Porque, CLARO, que japonês não gosta de ser comparado com personagens de anime?)


Em um dado momento, Romain, outro dos protagonistas, questiona a Árvore do Bem e do Mal, que representa a sabedoria e o conhecimento plenos, a respeito dos motivos que trouxeram seus amigos àquela realidade paralela.



"DANIEL FOI MOTIVADO POR SUA HERANÇA CULTURAL" - em outras palavras: ele está aqui para preencher as cotas e porque, convenhamos, um livro sobre super sentais tem que ter O Japonês na equipe! FALA. SÉRIO.

Daniel é um personagem que pouco progride ao longo da trama; ajuda a compor o alívio cômico trazido por Romain e quase serve como uma espécie de "selo de garantia de qualidade" ("tem um japonês na história, ela é totalmente fiel à cultura"). Construído em cima de vários estereótipos - é chamado pelo amigo de japa diversas vezes, é infantilizado pelos outros membros do grupo por gostar de quadrinhos, etc. -, é a prova de que até mesmo alguém que diz admirar muito a cultura japonesa se perde na hora de tratar dela com o devido respeito e cuidado.


["Esse cara não entendeu nada!"]


 

BÔNUS! Relatos do lançamento de Cidades de Dragões em São Paulo, no segundo semestre do ano passado.

Lá estávamos eu e uma amiga na fila para autógrafos. Quando chegou a minha vez, comentei com o autor que havia gostado do personagem de Daniel porque achava que ele e Romain formavam um casal incrível (só isso que ele tem de bom, porque o resto né...); porém, antes que eu tivesse a chance de explicar, o escritor me disse "ah, sim, você gostou porque ele também é japonês, né?". Fiquei tão espantada que nem consegui retrucar. Você que está lendo isso pode não ter entendido o meu problema com essa frase, por isso explico: ela demonstra a mentalidade de muitas pessoas que trabalham no meio artístico de forma geral - a ideia de que representatividade é apenas o que chamamos de preencher cotas, ou seja, colocar personagens estereotipados (o asiático esquisito que faz contas, o brasileiro que gosta de samba, por exemplo) como se todos os que eles supostamente representam fossem de fato se identificar com eles. Mas não é assim que funciona! O mundo não é feito de brancos europeus que têm personalidades próprias e são orbitados pelas "outras" etnias, compostas por pessoas padronizadas que seguem à risca supostas regras de comportamento que muitas vezes nem mesmo pertencem à sua cultura (já que tem gente que adora dizer que a África é um país e que todo asiático é igual)! Chineses podem gostar de pagode, russos podem amar chá, colombianos podem tocar música clássica e por aí vai! Ninguém é obrigado a ser alguém só porque outras pessoas acreditam que sua cultura é de determinada forma; e nenhuma etnia deve ser privilegiada em relação às demais. Representatividade importa e MUITO! [se quiser ler mais sobre o tema, indico este artigo]


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