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A guerra não tem rosto de mulher

A obra de Svetlana Aléksievitch, escritora e jornalista ucraniana vencedora do Nobel de Literatura 2015, apresenta as histórias das corajosas mulheres que lutaram na Segunda Guerra Mundial, nos mais diversos cargos, narradas por elas mesmas. Nas centenas de relatos coletados entre 1978 e 2004, publicados em 2013, são apresentadas todas as questões que envolvem a participação feminina na guerra: a luta pelo reconhecimento e pelo respeito por parte dos homens; as dificuldades enfrentadas em todas as posições, em todos os sentidos; os sentimentos dos soldados e das soldadas; a vida no pós-guerra, etc. Um livro minucioso, inspirador, sensível, direto, digno e histórico, que deve ser lido e estudado por todos que buscam entender a violência humana.

Nas 360 páginas, temos acesso a informações mais vivas e importantes do que qualquer livro de história poderia nos apresentar, de forma completa. Como uma ideologia e a propaganda do governo convenceram meninas de 14, 16 anos a se alistarem e até mesmo fugirem de casa para se tornarem francoatiradoras, sapadoras e pilotos. Como as mulheres eram tratadas inicialmente com desdém e depois, com afeto e respeito. Como elas foram recebidas quando a guerra acabou.

 

Há relatos de todas as posições possíveis. Desde fuzileiras até lavadeiras, passando por agentes da comunicação, enfermeiras, cozinheiras, partisans (guerrilheiras) e até mesmo uma artista. Muitas voltaram da guerra com vinte anos, tendo perdido quase todos os seus familiares.

Em meio ao terror da guerra, elas lutavam para manter sua identidade, não se esquecerem de suas vidas e, principalmente, manter sua feminilidade. Era muito importante para elas continuarem se reconhecendo como mulheres. A maioria, devido ao estresse exponencial, via seus cabelos tornarem-se brancos aos dezenove anos e muitas passaram a não mais menstruar. As roupas eram majoritariamente masculinas, levaram meses para que botas de tamanho adequado e roupas debaixo femininas fossem produzidas. Essa relutância em fabricar objetos que auxiliassem as combatentes se relaciona com a relutância em aceitá-las na guerra, pois muitos acreditavam que seria breve e a participação delas não seria necessária.

 

Um dos pontos mais interessantes é a descrição das vidas dessas mulheres depois de 9 de maio, o Dia da Vitória. Todas que estiveram no front foram desdenhadas pela sociedade, desprezadas, como se fossem "impuras" e uma vergonha para a nação, não um orgulho. A maioria se casou com outros militares; outras, mal conseguiram se sustentar quando a guerra acabou. Muitas escondiam suas medalhas para conseguirem se casar, e eram hostilizadas pelos vizinhos, praticamente marginalizadas. A população via as soldadas como libertinas - imaginava-se que elas haviam mantido relações com todos os membros de seus regimentos durante o conflito. Essa questão não é abordada pelas testemunhas; apenas uma fala brevemente dos estupros que os soldados russos cometiam contra as alemãs nas invasões a vilas, e as únicas relações entre sexos descritas são de caráter amoroso ou hierárquico.

 

Segundo a autora, existiram quatro guerras: a dos militares, a dos grupos guerrilheiros (paramilitares que sobreviviam pelo suporte do povo), a dos homens e a das mulheres (durante e depois do conflito). A guerra que as mulheres vivenciaram e que narram é repleta de percepções sensíveis; capta todas as impressões emocionais dos que combatiam e dos que sobreviviam fora dos campos de batalha. E é justamente a que é esquecida pela história, e que precisa ser lembrada e analisada, pois através desse ângulo podemos enxergar o principal aprendizado que toda guerra traz: nunca há verdadeiros vencedores.

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