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Como o vestibular apagou minha criatividade

O desabafo de hoje é dedicado ao nosso maravilhoso sistema educacional.


Sempre me considerei uma pessoa muito criativa, daquelas que olham para uma nuvem e logo têm ideias para contos e romances. Durante o fundamental II, passei muitas tardes à frente da tela do computador, escrevendo. E lendo, lendo muuuuito. Devorava livros grossos em dias, e passava mais alguns refletindo e os incorporando ao que eu escrevia. Cada autor acrescentava algo à minha escrita, assim como cada pessoa acrescenta algo à nossa personalidade.

Quando cheguei ao Ensino Médio, fui apresentada ao estranho mundo dos vestibulandos. Já no primeiro ano, mostraram-me os procedimentos para escrever uma redação que agradasse às bancas examinadoras dos principais vestibulares. Coesão, coerência, gramática, adequação à proposta e ao gênero redacional se tornaram os novos termômetros de um bom texto. Nada de inspiração, poesia, estilo, sentimento ou originalidade. Apenas dar aos corretores a redação perfeita.

Sem que eu percebesse, essa prática acabou abafando o meu jeito de escrever - não que ele fosse muito definido, mas agora... Digamos que tudo o que eu escrevia poderia ter sido escrito por qualquer outra pessoa; não havia nada de mim ali. Nem mesmo a tese que eu deveria defender era realmente minha - era apenas a que seria mais aceita ou mais fácil de ser trabalhada. O escritor americano Scott Fitzgerald (1896-1940) tem uma frase que diz "não se escreve por se querer dizer alguma coisa, escreve-se porque se tem alguma coisa para dizer" - então porque me tornei especialista em prolixidade, em falar sobre nada, usando palavras bonitas, em 30 linhas? Porque eu sinto como se não fosse mais capaz de colocar meus sentimentos no papel, sem me preocupar diretamente com o quão brilhante deveria soar? Porque eu aprendi a falar sobre coisas nas quais mal acredito ou sobre as quais mal pesquisei? Porque eu aprendi a escrever como queriam, e não como eu queria?

Porque a escola transforma a escrita em mais uma corrente que nos prende ao padrão desejado pela sociedade?

E, mais importante, porque eu parei de me reconhecer na minha própria arte?

Não estou dizendo que não é necessário ensinar os alunos a produzirem redações, principalmente do tipo dissertativo. É claro que precisamos aprender a nos posicionarmos, a colocarmos ideias no papel e a apresentarmos um ponto de vista. Mas acredito que isso deveria ser elaborado mais através de debates e aulas de história do que propriamente nas aulas de produção textual. Afinal, como eu disse, não aprendi a me posicionar - aprendi a dizer o que seria mais adequado ao contexto. Além disso, redação não deveria ser uma amarra! A produção literária é uma expressão da alma de cada indivíduo, do seu próprio e real modo de ver e pensar o mundo. Quantos futuros escritores devem ter sido oprimidos por um sistema educacional que coloca a compreensão de poesias como algo elevado e preza mais pela caretice do que pela inovação é um número sobre o qual prefiro não refletir.

Há poucos dias, comecei a procurar novamente os traços que costumavam compor a minha escrita. Buscar as palavras, conjunções e figuras de linguagem que caracterizavam minha linguagem textual. Tentar novamente enxergar, entre objetos do cotidiano e cenas comuns, as grandes tramas que eu outrora imaginava incessantemente. Ler as coisas que escrevi e me reencontrar naqueles sentimentos, naquelas imagens e naquele olhar. Escrever cada texto como se fosse a síntese do meu trabalho literário. E torcer para que pelo menos eu me reconheça em cada um deles.


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